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Acessibilidade Digital: para uma Web mais inclusiva em Portugal

O tema da Acessibilidade e inclusão na navegação digital tem vindo a ser debatido há mais de 30 anos pela indústria da tecnologia, entre profissionais da área informática, design e marketing. Mais recentemente, as boas práticas passaram a integrar a legislação, nomeadamente para conteúdos legais e oficiais dos Governos um pouco por todo o mundo.

Contudo, ainda não se verifica uma ampla implementação das boas práticas aconselhadas online por parte de entidades públicas e privadas, pelo que existe um caminho a percorrer no que toca à consciencialização e educação para o tema.

O que é acessibilidade digital

Acessibilidade Digital é o conjunto de normas e boas práticas que permitem que produtos digitais, como websites, aplicações ou conteúdos online, sejam acessíveis por todas as pessoas, com ou sem limitações cognitivas ou físicas.

A Organização Mundial de Saúde (WHO) estima que mais de mil milhões de pessoas têm limitações temporárias ou crónicas, o que representa cerca de 15% da população mundial. Assim, torna-se cada vez mais importante que o acesso seja facilitado para todos, incluindo as pessoas com dificuldades de visão, audição, fala, mobilidade, aprendizagem, cognição, entre muitas outras.

O tema tem vindo a ganhar importância numa sociedade que se deseja cada vez mais inclusiva. Em 2012 foi criado um dia para assinalar a relevância da acessibilidade, o Global Accessibility Awareness Day (GAAD), celebrado na terceira quinta-feira do mês de maio. Mais recentemente, em 2021, foi criada a Fundação GAAD, que tem como missão modificar a cultura da tecnologia e produtos digitais para incluir a acessibilidade como requisito mínimo e obrigatório.

Como começou o caminho da acessibilidade digital

Com o aparecimento e democratização do acesso à World Wide Web (WWW), surgiram também as questões de acessibilidade: como tornar os produtos digitais e a navegação entre páginas fácil de utilizar e compreender para todas as pessoas? Ao longo de vários anos, ainda na década de 90, o tema foi estudado e debatido em várias conferências internacionais.

Um dos principais promotores deste tópico foi Sir Tim Berners-Lee, inventor do protocolo WWW e conhecido como o “pai da internet”. Foi no seu discurso na segunda Conferência Internacional World Wide Web, em Chicago em 1994, que delineou a urgência de criar linhas orientadoras para garantir a acessibilidade de todos os utilizadores da Internet.

Em 1995 foi publicado o primeiro guia de acessibilidade com o título “The Unified Web Site Accessibility Guidelines”, um documento conceptualizado e compilado por Gregg Vanderhein na TRACE R&D Centre da Universidade de Wisconsin-Madison.

Já em 1999 foi publicado, com aprovação da Web Accessibility Initiative (WAI), o agora sobejamente conhecido documento WCAG 1.0 (Web Content Accessibility Guidelines), resultado de um conjunto de trabalhos da World Wide Web Consortium (W3C), a organização que se propôs a criar os standards internacionais para a Internet. Em 2008, o documento foi atualizado para a versão 2.0 e em 2018 para a versão 2.1.

Foi também criada, paralelamente, em 1998 a ATIA – Assistive Technology Industry Association, uma associação sem fins lucrativos que tem como membros produtores, retalhistas e fornecedores de serviços e dispositivos de tecnologia assistida (Assistive Technology – AT). São considerados como tecnologia assistida todos os equipamentos ou programas de software que permitem facilitar o acesso aos produtos digitais, de forma a melhorar a experiência, aprendizagem, trabalho e dia-a-dia das pessoas com limitações.

A Acessibilidade Digital em Portugal

Portugal destaca-se no tema da Acessibilidade Digital por ter sido o primeiro Estado-Membro da União Europeia a adotar os requisitos de acessibilidade para os conteúdos e serviços disponibilizados pela Administração Pública Portuguesa na Web, em 1999. O processo teve início a 3 de dezembro de 1998, quando foi lançada a primeira petição eletrónica que tinha em vista tornar os websites da Administração Pública Portuguesa mais acessíveis, garantindo que os requisitos de acessibilidade da WCAG eram aplicados.

Ao conseguir mais de 9 mil assinaturas, a Assembleia da República indicou ao Governo que se debruçasse sobre o tema e apresentasse legislação a aplicar. Foi assim que a 26 de agosto de 1999 surgiu a “Iniciativa Nacional para os Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação”, fruto da Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/99. Entrou também em implementação a Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/99, denominada “Acessibilidade dos sítios da Administração Pública na Internet pelos Cidadãos com Necessidades Especiais”.

Desde aí, tem vindo a ser feito um trabalho governamental na implementação das diretivas europeias, das quais se destaca a Diretiva 2016/2102, transposta para o Decreto-Lei n.º 83/2018, de 19 de outubro.

as regras em vigor está a publicação obrigatória da Declaração de Acessibilidade por todas as entidades governamentais e ONGs com websites, cujo prazo terminou a 28 de setembro de 2020. Este documento comprova legalmente a conformidade das páginas com as regras de acessibilidade, garantindo a inclusão de todos os cidadãos portugueses, independentemente de terem ou não limitações.

Segundo dados do Observatório Português da Acessibilidade, organismo que disponibiliza e recomenda as melhores práticas de acessibilidade e usabilidade online, a média de classificação nos sites da Administração Pública é de 6.2 pontos em 10, sendo que já existem 60 websites com Declaração de Acessibilidade válida.

O XXI Governo Constitucional declarou ainda que a Agência para a Modernização Administrativa, I.P. (AMA) seria a responsável pela verificação das regras em vigor, uma vez que dispõe das competências técnicas de acessibilidade e usabilidade online. Também o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. tem vindo a conquistar um papel importante na dinamização da informação sobre acessibilidade online.

O papel das empresas na Acessibilidade

As grandes empresas começaram também a implementar sistemas de Assistive Technology (AT) nos seus programas:

> A Microsoft tem ferramentas para a acessibilidade do Windows, do Office 365 e da plataforma XBox. Disponibiliza ainda o Verificador de Acessibilidade da Microsoft, que analisa o grau de conformidade com as boas práticas das aplicações e oferece sugestões de melhoria. Além disso, tem um papel de consciencialização para o tema através dos seus cursos online, como é o caso do Accessibility Fundamentals.

> O Google apresenta soluções de acessibilidade nos seus produtos, desde o Android ao Chrome, passando pelas aplicações como Gmail, Maps, e muito mais.

> A Adobe disponibiliza recursos para os seus programas, nomeadamente para criar PDFs mais inclusivos.

As pequenas empresas têm vindo a adotar gradualmente as estratégias de conformidade com as regras de acessibilidade, mas ainda estamos longe de ter uma web amplamente acessível.

O estado da Acessibilidade Online

A WebAIM – Web Accessibility in Mind é uma organização sem fins lucrativos que desde 1999 promove as boas práticas para que indivíduos e instituições forneçam conteúdos, ferramentas e aplicações online mais acessíveis para todos. Nos últimos anos, esta associação tem realizado o estudo “WebAIM Million”, um relatório que contempla os resultados de acessibilidade no top 1 milhão de home pages dos mais populares websites.

Em 2022, o relatório revela que apenas cerca de 3% dos websites são acessíveis a pessoas com limitações, e que cerca de 96.8% das home pages analisadas têm erros de conformidade com a WCAG em vigor. Embora represente uma melhoria, pois em 2021 os erros eram em 97.4% dos sítios analisados e em 2019 eram em 97,8%, representa uma fraca evolução no caminho para a plena inclusão.

Entre os maiores erros estão os textos com fraco contraste, as imagens sem texto alternativo, os links vazios, os formulários sem indicações de apoio e os botões vazios.

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Fonte: The WebAIM Million Report 2022 (https://webaim.org/projects/million/)

As principais regras de ouro da Acessibilidade Digital

Na atualização da WCAG 2.0 (Web Content Accessibility Guidelines), em 2008, foram criados níveis de sucesso e conformidade com as boas práticas, que vão do nível mais básico (A) ao mais completo (AAA).

No nível básico encontramos assim:

  • Alternativas de texto para imagens, tabelas e gráficos
  • Legendas para vídeos
  • Utilização de cores
  • Estrutura lógica do conteúdo
  • Controlos de áudio
  • Acesso através do teclado
  • Possibilidade de pausar, parar ou esconder elementos de movimento

No nível intermédio temos as seguintes recomendações:

> Descrições de áudio

> Contraste de cor recomendado

> Possibilidade de redimensionar textos

> Títulos e etiquetas corretas

> Navegação consistente

> Identificação consistente de elementos UI

> Indicação de erros em tempo real

No nível mais complexo podemos verificar:

> Interpretação de língua gestual para conteúdo pré-gravado

> Melhor contraste de cor

> Elementos visuais não agressivos

> Indicação da função e destino dos links

> Informação adicional para abreviaturas e palavras pouco utilizadas

> Controlo do utilizador sobre a apresentação visual do texto

> Controlo do utilizador sobre interrupções (como pop-ups ou anúncios automáticos)

Nesta versão, foram também definidos os critérios de avaliação dos websites, através da sigla POUR (Perceivable, Operable, Understandable, Robust). De uma forma simplificada, os conteúdos devem ser:

> Percetíveis: os conteúdos devem ser percetíveis tanto a nível visual como auditivo, para garantir que todos têm acesso independentemente da sua limitação física de audição ou visual.

> Operativos: os websites devem garantir que os utilizadores conseguem navegar através de várias formas, como por exemplo rato, teclado e opção de controlo por voz.

> Compreensíveis: os conteúdos e a interface devem ser simples de compreender por todos, utilizando standards internacionais de usabilidade.

> Robustos: os conteúdos devem ser criados com acessibilidade desde o início, integrando com as tecnologias de assistência atuais e futuras.

Entre as principais regras de acessibilidade atuais a ter em conta, destacamos as seguinte onze como essenciais:

  1. Menu estruturado em lista: indicar quais as páginas principais (agregadoras) e subpáginas do website, bem como páginas de produtos ou blogposts.
  2. Organização hierárquica de títulos: utilizar corretamente os Headings, de H1 a H6.
  3. Texto alternativo para imagens, gráficos e tabelas: escolher textos autoexplicativos do conteúdo para alt-text, para que quem tem dificuldades visuais possa compreender através da utilização de sistemas de tecnologia assistida que fazem o reconhecimento e leitura dos websites.
  4. Legendas de vídeos: incluir a indicação exata do conteúdo áudio, bem como descrição de sons de fundo e música ambiente.
  5. Campos de formulários com etiquetas: descrever claramente o que é previsto indicar em cada campo de um formulário, para evitar ambiguidade e dificuldades de interpretação.
  6. Mensagens de erro claras: colocar mensagens de erro em tempo real e claras, para que o utilizador possa facilmente identificar o que está em falta ou incorreto e corrigir.
  7. Tamanho de letra: foram estabelecidas regras standard para a colocação de texto em websites que indicam que o tamanho de letra mínimo é de 12 pontos para corpo de texto e 10 pontos para indicações secundárias.
  8. Redimensionamento de texto: garantir que o utilizador pode aumentar o tamanho do texto através de comandos de teclado ou rato, permitindo redimensionar a página online sem perder a organização do conteúdo.
  9. Hiperligações facilmente identificáveis: utilizar o sublinhado para identificar texto com hiperligações, uma vez que apenas uma cor diferente poderá não ser suficiente para pessoas daltónicas, por exemplo.
  10. Contraste entre elementos visuais: foi convencionado que o rácio de contraste entre a cor de fundo e o corpo de texto terá de ser superior a 4,5:1 nos textos menores que 18 pontos em letra normal ou 14 pontos em letra a negrito, e que a diferença entre textos maiores terá de ser superior a 3:1, de forma a garantir a boa visibilidade para todos.
  11. Seleção de opções com teclado ou comando de voz: é fundamental que todos os elementos clicáveis, redimensionáveis ou passíveis de serem mexidos nos websites sejam responsivos a comandos de voz, através de tecnologias de assistência, ou através de botões no teclado.

 

Recursos de apoio e diagnóstico

Para quem está a começar, é importante realizar um diagnóstico de pontos a melhorar no website que administra. Existem vários recursos de apoio, a nível nacional e internacional, que podem ajudar.

Recursos de Informação:

> Website da Acessibilidade do Governo de Portugal: https://www.acessibilidade.gov.pt/

> Website do Guia de Acessibilidade WCAG: https://guia-wcag.com/

> Website W3C – Web Accessibility Initiative (WAI): https://www.w3.org/WAI/fundamentals/accessibility-intro/

Recursos de Diagnóstico:

> Access Monitor do Governo de Portugal: https://accessmonitor.acessibilidade.gov.pt/- WAV

> E – Web Accessibility Evaluation Tool da WebAIM: https://wave.webaim.org/

> Diretório de Ferramentas do Governo de Portugal: https://www.acessibilidade.gov.pt/ferramentas/

Reconhecimentos Oficiais:

> Selo de Maturidade Digital: https://selosmaturidadedigital.incm.pt/SMD/

> Selo de Usabilidade e Acessibilidade: https://selo.usabilidade.gov.pt

> Declaração de Acessibilidade e Usabilidade: https://amagovpt.github.io/gerador/

Conclusão

As boas práticas da acessibilidade digital têm vindo a evoluir com as crescentes necessidades das pessoas com limitações no que toca ao acesso a conteúdos e websites online, não só por motivos recreativos como cada vez mais por motivos legais, como o acesso a serviços administrativos.

Contudo, estudos recentes demonstram que ainda existem poucos websites em plena conformidade a nível mundial, e que as boas práticas não são incluídas no início do planeamento de um produto digital, mas sim de uma forma posterior.

Embora já possamos encontrar vários conteúdos online sobre o tema, existe um trabalho a fazer no que toca à divulgação geral das boas práticas, tanto para que os profissionais do setor as integrem no seu dia-a-dia, como para que a população sinta que está a ser incluída nos processos e resultados digitais.

É expectável que observemos uma evolução nestes critérios de acessibilidade, uma vez que a sociedade civil está cada vez mais envolvida nas questões da inclusão. Esperamos que 2023 seja um ano de grande progresso e que os próximos relatórios anuais de acessibilidade demonstrem bons resultados nos avanços a nível global.

cintia costa

Com mais de 8 anos de experiência em Marketing e Comunicação para clientes empresariais, especialmente dedicada ao mercado B2B (Business to Business), tem uma grande paixão pela indústria da tecnologia e inovação, e pelos temas de Women In Tech, Employer Branding, Marca Pessoal e Conteúdos de Marketing. Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e com Pós-Graduação em Marketing Digital pelo ISCTE, a sua vontade de evoluir e aprender continuamente leva-a a explorar vários assuntos da atualidade.

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